Era, sei lá, Novembro ou Dezembro de 2004.
Eu, a Mari, o Alê, a minha mãe e a minha vó fomos ao cinema assistir ao filme do Cazuza.
Nunca tivemos tabus sociais nem religiosos dentro de casa. O mundo sempre nos foi apresentado da forma que ele é e as pessoas exatamente como são. Algumas vezes usamos “adjetivos politicamente incorretos” – isso tenho trabalhado para eliminar – mas mesmo assim, fomos ensinados que não basta apenas respeitar a diferença e manter distância. Fomos ensinados que esta diferença não faz a menor diferença para o convívio social. Afinal, outras visões de mundo sempre foram bem vindas em casa.
Digo orgulhosamente – e vou usar nomes fortes de propósito 🙂 – que traficante, maconheiro, cheirador, viado, pai de santo, mãe de santo, muçulmano, kardescitas, cristãos, putas, lésbicas e seja lá “o que for”, sempre tiveram as portas abertas em casa, NUNCA foram desrespeitados e NUNCA trouxeram nenhum problema para nós. Muito pelo contrário, tenho lembranças maravilhosas dos que passaram por lá e daqueles com quem conversei, ou trabalhei, por aí.
Bom, voltando ao filme…. Era possível imaginar que um filme contando a história deste “bicha e maconheiro – O tempo não pára -” que morreu por causa da “doença da sua era”, como alguns dizem, fosse algo simples para nós. Porém, minha vó, nascida lá em 1923, não fazia parte do “dentro de casa” que citei. E como quando ela nasceu a Av. Tiradentes era mais ou menos assim.
Fonte: Histórico Demográfico do Município de São Paulo. Link: http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/1920.php
Eu realmente fiquei um pouco apreensivo durante o filme.
Quem assistiu sabe que talvez até a metade é, resumidamente, festa, putaria e droga o tempo todo. E claro, por ser homossexual, esta “temática” foi explorada nas cenas resumidas acima.
Fiquei desconfortável pois não sabia qual seria a reação daquela senhora de 80 anos – que talvez tivesse ido ao cinema outras 2 ou 3 vezes na vida e, ainda talvez, entre as décadas de 50 e 80 -, sentada a 3 ou 4 poltronas de mim ao ver aquela realidade tão diferente. Ali, um pouco romantizada, mas ainda assim, aos meus olhos, para ela, agressiva.
Saí do cinema emocionado com o filme mas incapaz de conversar sobre ele naquele grupo. Uma fraqueza clara. Tinha medo do que minha vó poderia dizer.
Meu irmão, com toda tranquilidade, sem rodeios perguntou: “E aí Vó, gostou do filme?”
Eu pensei: “Meu Deus, como ele pôde perguntar isso?” e, sorrindo, lembro-me de ter olhado em seu rosto.
Serena, ela respondeu: “Gostei muito. Ele viveu do jeito que ele quis“.
Com esta pergunta e esta resposta aprendi 3 coisas:
1 – Não deixe de perguntar por medo.
2 – Minha avó, embora tenha nascido em outra época e tenha preconceitos “vindos daqueles tempos”, é muito mais evoluída do que muitas pessoas “destes tempos”.
3 – Viva do jeito que faz você feliz.
Daniel
Este filme me levou a muitas lembranças, a mais forte foi da perda do Wander, o mesmo tio que me mostrou o que era o amor, amor de verdade sem fronteiras impostas pela mente (preconceitos, medos, ignorância, etc). Entendo muito bem a sua reação e a conclusão que chegou.
Parabéns pelo ótimo texto.
Mesmo sem conhecer o Wander, de alguma forma inexplicável, admiro muito ele.
Talvez ele esteja com a Mari o tempo todo e, por consequência, comigo também. 🙂
Beijo
Dani, adorei o texto, e sei que a cada dia aprendemos sempre mais,estarei sempre lembrando .
Viva do jeito que faz você feliz, e estar próximo de pessoas nascidas em outra época ,nos da um aprendizado muito bom.
Beijo Neusa