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Um simples sorriso

O poeta caminhava.

A primeira flor da primavera, desabrochava.

No quarteirão da frente, um homem o observava.

Olhando fixamente, aquele que se aproximava.

Com os olhos abertos, o mundo, o tal poeta apreciava.

Alguns instantes depois, o olhar dos dois se encontraram.

Com um leve chacoalhar de cabeça, se cumprimentaram.

Com aquele simples gesto do poeta, o homem se reservara.

Sua ideia era assaltar o poeta.

Agora, no caminho de casa, percebeu que com aquele simples sorriso.

Ambos se salvaram.

Lembranças do som metálico

Lembro-me do som metálico daquela noite.

Inicialmente não compreendi o que se passava.

O motivo de tudo aquilo me faltava.

 

Lembro-me do som das buzinas de outra noite.

Carros passavam. Seus faróis piscavam.

Realmente era uma afronta tudo aquilo que se passava.

 

Lembro-me daqueles dias de união.

Todos com a camisa da seleção.

Bandeiras nacionais, essas, tinha de montão.

 

Lembro-me do discurso de então.

Abaixo a corrupção!

Nós, não vamos pagar o pato não!

 

Parece que agora…

O discurso desapareceu.

As camisetas estão guardadas.

As buzinas andam caladas.

E as panelas? Ah, como é bom o cheiro de cebola refogada.

Estrangeiro

Longe de casa, você é estrangeiro.

Mesmo que te aceitem, você continua sendo estrangeiro.

Quando você fala, ninguém tem dúvida, você é estrangeiro.

Pelo jeito que você age, a coisa fica clara, você é estrangeiro.

A forma com a qual você se expressa, te entrega, você é estrangeiro.

Algumas pessoas perguntam, até quando você vai ser estrangeiro?

Penso comigo baixinho.

Mesmo se eu voltar, vou continuar sendo estrangeiro.

Fitzgerald Park

O céu azul, sem nuvens.

A calça, as blusas, a boina.

No caminho o sol contraía a pupila.

O nariz gelado conflitava com os olhos.

As mãos mergulhadas nos bolsos.

As folhas caídas pela calçada, pela rua, pelo parque.

O rio tremido pelo vento.

O chocolate quente.

O sol se pondo lá no fundo.

Outra folha resolve cair.

São 5 horas.

O Outono precisa sair.

E o Inverno,

Chegar!

O tempo não pára…

Hoje, limpando o banheiro de casa, ouvi de um novo jeito esta frase.

Estava escutando uma playlist no meu celular através de um aplicativo conectado à internet e que, via Bluetooth, enviava as músicas para uma pequena caixinha de som sobre o espelho do banheiro.

Em um determinado momento começou a tocar esta música de, na minha opinião, um dos maiores compositores brasileiros. Agenor de Miranda Araújo Neto, ou simplesmente Cazuza.

A bateria inconfundível na introdução de “O tempo não pára” me levou instantaneamente à minha infância e, esta “viagem”, me fez comparar os tempos atuais com a minha realidade no ano de seu lançamento, 1988.

A primeira comparação está no próprio nome. Atualmente “O tempo não pára” seria simplesmente “O tempo não para”. Uma singela alteração que nos mostra que algo, na língua portuguesa, foi alterado ao longo destas quase 3 décadas.

A segunda comparação é o modo como a música chegava aos meus ouvidos, estes também já com alguma diferença em relação a 1988.

Nos anos 80, eu ouvia esta música em um disco de Vinil, que tenho até hoje. Ele era reproduzido em um aparelho de som modular que era composto por um toca discos, um toca-fitas, um amplificador e duas caixas de som. Tudo isso conectado por um emaranhado de cabos ligando entradas e saídas e, obviamente, ligado a tomada para funcionar.

Além disso, para ouvir música, você precisaria ir até onde esta “parafernalha sonora” estivesse “repousada” e torcer para que ninguém estivesse ouvindo outra coisa.

Atualmente basta um celular com acesso à internet e pronto, você já tem a música que quiser, onde quiser e na hora que quiser. Sem a necessidade de conectar um único cabo.

Em relação ao próprio Cazuza, se o contágio do HIV tivesse ocorrido alguns anos mais tarde talvez ele ainda estivesse por aqui. Além dele Renato Russo, Freddie Mercury e mais alguns que fazem muita falta.

Em relação à minha interpretação da letra naquele tempo, “a piscina cheia de ratos” tinha o sentido literal. Um tanto amedrontador, mas eu visualizava uma piscina cheia de ratos e não compreendia como as ideias – que na época eram idéias – podiam não corresponder aos fatos, mas tudo bem, “o tempo não pára” e hoje talvez eu consiga compreender com um pouco mais de clareza, o que isso significa.

Os dias “de par em par” para mim talvez fosse algo simples de resolver, o mês teria 30 ou 31 dias “de verdade”, porém a contagem seria de 2 em 2. Seguindo esta lógica, teríamos, por exemplo, o dia 62 de Janeiro.

Hoje, pensando nesta frase, talvez eu entenda que a intenção dele fosse dizer que ele envelhecia 2 dias a cada dia, infelizmente, acho que o Renato Russo, em o “O Teatro dos Vampiros”, foi mais preciso. A cada hora que se passava, ele(s) envelhecia(m) 10 semanas.

“Nas noites de frio é melhor nem nascer
Nas de calor, se escolhe: é matar ou morrer
E assim nos tornamos, brasileiros.”

A primeira frase era muito fácil. No Brasil, quem precisaria nascer em uma noite de frio? Era só esperar mais um pouquinho que nasceria no calor.

As outras duas frases não faziam sentido afinal, ninguém nasce em condições de matar alguém e não precisaria disso para se tornar brasileiro. Bastava nascer no Brasil que este “problema” estaria resolvido.

É Cazuza, talvez ainda hoje eu não tenha conseguido entender, mas ser brasileiro é realmente amar o país apesar de tudo, e para isso, não precisa ter nascido nele.

O que pode ser mais passado, presente e futuro em 1988 ou em 2016 do que: “Te chamam de ladrão, de bicha, maconheiro”.

Você só não acertou todos os adjetivos pois o tempo não parou e continuamos criando rótulos imbecis para aqueles que não tem o mesmo pensamento ou as mesmas atitudes que as nossas.

Hoje você seria também um coxinha ou um mortadela, um esquerdinha ou um direitinha.

Talvez, meu caro Agenor, você estivesse sendo bombardeado por críticas estupidamente ofensivas, com imagens de “Canetas Desesquerdizadoras” ou “Canetas Desdireitizadoras”, dependendo em qual “lado” você estivesse. Por ser filho de um executivo de uma grande empresa, seja lá qual fosse o seu lado, você seria um “tremendo de um hipócrita” que as pessoas fariam de tudo para te “humilhar”.

É meu querido poeta, infelizmente o debate está chegando ao fim, ninguém mais conversa para entender, discutir e chegar a uma conclusão. Atualmente as discussões tem um único objetivo: Humilhar!

Mas o objetivo, nas décadas de 1960, 1980 ou 2010, na nossa politica, é certamente o mesmo.
“Transformam o país inteiro num puteiro
Pois assim se ganha mais dinheiro”

É Agenor, no final da faxina, quando eu estava limpando o lixo da cozinha e ainda pensava na sua música que tinha ouvido 2 horas antes, ouvi outra grande música de Belchior na voz de Elis Regina que, infelizmente, complementa com primor suas ideias.

O tempo realmente não para mas, infelizmente, nós não mudamos. “Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais”.

Acho que o Brasil está mostrando tua cara como você pediu, mas ainda não sabemos quem vai pagar pr’a gente ficar assim!

Infelizmente

O infeliz mente ou mente o infeliz?

A infeliz mente para sentir-se feliz?

A mente infeliz mente feliz?

Infeliz da mente que mente a si mesma.

Infeliz daquele que mente, mentindo ser feliz.

Infelizmente mentes mentirosas mentem felizes.

Uma mente feliz é infeliz na mente de quem mente.

Aquele infeliz na porta da igreja tem a mente demente e mesmo assim é feliz.

As mentes infelizes, felizmente ainda são mentes.

Feliz da mente que sabe ser feliz.

Feliz daquele que o infelizmente não está em sua mente.

Felizmente os felizes felicitam os infelizes tornando mais felizes suas mentes.

Felizmente os infelizes são pouco infelizes.

Felizes são aqueles que felizmente não sabem ser infelizes.

Infelizmente os felizes são poucos.

Infelizmente…

Doudou

Não prometo estar contigo todos os dias,

sei que não cumprirei.

Não prometo a última moda,

sei que não cumprirei.

Não prometo nada materialmente grandioso,

não me importo com isso.

 

Prometo estar contigo todos os dias,

que realmente precisar.

Prometo aquilo que for necessário,

para viver neste novo mundo.

Prometo mostrar o que conheço de cultura,

pois creio que isso pode mudar tua vida.

 

Assim, quando eu não puder mais te acompanhar,

nem mesmo quando precisares.

Terei certeza de que estive,

muito longe de quem gostaria de ter sido.

Mas que te mostrei,

tudo aquilo que gostaria que acreditasses.

Michelle: uma italiana brasileira.

Era uma tarde fria de inverno, como tantas outras, na cidade de Curitiba. Uma jovem de estatura mediana, já em trabalho de parto, entra lentamente em um hospital público da cidade. Os médicos já a conheciam, não pelo nome, mas já sabiam que ela havia feito algumas consultas de seu pré-natal naquele mesmo hospital.

Sabiam que se tratava de uma menina humilde do bairro, alguém como muitas outras paranaenses e, por que não dizer, brasileiras. Grávida e sem dinheiro para dar moradia, alimentação e educação dignas ao seu primogênito.

Os enfermeiros perceberam que o bebê estava para nascer. Correria pelos corredores do hospital. Primeiro, colocaram-na em uma cadeira de rodas. Ao passarem correndo em frente à recepção, pediram que já acionassem a médica de plantão e entraram apressados no elevador. Subiram direto para o quarto andar onde os partos eram realizados.

Na saída do elevador trocaram a cadeira de rodas por uma maca surrada e de rodinhas parcialmente emperradas. Passaram pelo grande corredor verde clarinho com flores nas portas de alguns quartos e, em muito pouco tempo, atravessaram a porta que divide o corredor da sala de parto. Em menos de 5 minutos a jovem que entrou caminhando calmamente pela porta da frente do hospital, já estava vestida com um avental azul usado pelos pacientes e frente a frente com a médica que seria a responsável pelo parto.

Neste momento duas histórias se cruzam exatamente do mesmo modo que outras idênticas se cruzavam em São Paulo, no Recife, em Nova Iorque e em Milão.

A médica e a gestante, a responsável por dar a luz e a responsável por ajudar neste processo se olham. A doutora, em bom português e com sotaque de estrangeiro diz: “Vamos mãe? Podemos começar?” Com um aceno de cabeça e uma contração involuntária tem início então mais um parto daquela obstetra italiana nas terras descobertas por Cabral.

O parto não apresentou qualquer contratempo, mas por ser um parto normal, deve ter levado mais ou menos duas horas. Tempo em que a médica permaneceu dando todo o apoio, tanto médico quanto psicológico para aquela menina que estava sozinha durante aquele momento importante. Não havia pai, mãe ou irmão nem ninguém junto a ela no hospital.

Quando perguntaram a respeito do namorado ou marido, respondeu que a vida toda ela havia sido sozinha e que neste momento não esperava nada diferente disto. A médica compreendeu que este caminho deixaria a paciente nervosa e, apertando sua mão disse novamente com seu sotaque italiano: “Mais um pouquinho e já vai nascer”.

Cinco minutos passaram-se e o choro de Michelle eclodiu pelo o ambiente. Nascia então mais uma brasileira.

A médica parabeniza a nova mãe, dá-lhe um beijo na testa, as últimas instruções aos enfermeiros e sai apressada da sala para atender outro caso parecido.

A equipe finaliza os procedimentos e leva a mãe até o quarto. O bebê vai tomar seu primeiro banho e ganha suas primeiras roupas. Algumas ONGs recolhem doações e deixam nas maternidades de Curitiba já que casos como estes não são muito incomuns no dia a dia dos hospitais.

São dez horas da noite. Faz muito frio no Sul do Brasil nesta época do ano. Os enfermeiros passam no quarto para medir a pressão da mãe e dizem que ela terá alta no dia seguinte pela manhã e a informam também que por causa da temperatura demasiadamente baixa naquela noite, a criança dormiria no berçário por ser este um local aquecido. Explicaram que não seria bom para a recém-nascida passar aquele frio já em sua primeira noite de vida.

A mãe concorda com a cabeça, assim como fizera no início do parto só que desta vez ela tem um sorriso no canto da boca. Os enfermeiros associam aquela imagem à felicidade que toda a mulher sente ao ser mãe. Viram as costas e voltam correndo à sala de parto onde novas histórias se cruzavam. Outra jovem em trabalho de parto, outra vez a médica italiana, outra vez sem qualquer apoio da família ou companheiro.

Estamos no início da década de 1990, Michelle tem pouco mais de 5 horas de vida.

São três e pouco da manhã. A jovem mãe de Michelle levanta de sua cama, já está razoavelmente bem fisicamente e vestida com a roupa que chegou ao hospital, caminha na ponta dos dedos até a porta do quarto. Não desejava acordar nenhuma das outras duas pessoas com quem estava dividindo o quarto. Chega à porta e empurra a maçaneta vagarosamente para baixo. Ouve o clique. A porta se abre lentamente. Com todo o cuidado para não ser vista ela coloca a cabeça para fora, olha para os dois lados do corredor. Escuta o barulho do elevador abrindo a porta. Apressada, volta a cabeça para dentro do quarto e encosta a porta. Espera por alguns instantes, estática, sem sequer respirar, atrás da porta. Escuta os passos apressados de duas ou três pessoas passando pelo corredor e o barulho seco das portas da sala de parto sendo aberta, em seguida vem o “nhec-nhec” das molas que as seguram.

Neste momento, ela volta a abrir a porta e colocar a cabeça para fora.

Tudo livre, agora dá.

Levanta a cabeça e disfarçando as dores que ainda sentia caminha até o elevador e desce para o térreo. Sem qualquer dificuldade sai da maternidade e volta para o lugar de onde saiu barriguda por volta das nove horas da noite do dia anterior.

Os sistemas de monitoramento por câmeras ainda custavam muito caro. Os valores eram impeditivos para que os hospitais públicos fossem equipados com eles. E com isso, a mulher que entrou no hospital em trabalho de parto e que sorriu ao saber que Michelle não dormiria ao seu lado naquela noite, deixara o hospital sem deixar qualquer rastro. Deixara para trás sua menina que sequer conheceu.

No dia seguinte, por volta das 11:00h a médica italiana é informada da fuga da jovem mãe. Como morava há pouco tempo no Brasil e sem possibilidades biológicas de gerar uma criança a médica não se conforma com a atitude da jovem por julgar absolutamente infantil.

Como pode alguém deixar um filho de lado? Pensava consigo.

Mesmo com o dia coberto por atendimentos, a médica italiana consegue um tempo e vai até o Juizado da Infância e Juventude de Curitiba e se informa sobre o processo de adoção no Brasil. Após mais de seis meses de burocracia, consegue enfim a certidão de nascimento de Michelle, que até aqui não tinha sobrenome, passa a chamar-se Michelle Zanini.

Após pouco mais de três meses a médica volta para a Itália, vai morar em Milão ao lado de sua mãe e seu pai e cuidar de sua filha. Ela gosta do Brasil mas entende que a Itália dará mais condições para Michelle.

A pequena cresce italiana sem saber que é brasileira. Na adolescência descobre-se brasileira. Descobre que sua história teve um começo diferente daquelas de seus amigos. Descobre que sua origem está a mais ou menos 10 horas de avião de onde mora. Descobre-se Curitibana.

Estuda na Itália até completar a “Università Cattolica del Sacro Cuore – Sede di Milano” e depois vai morar por uns tempos em Paris.

Ficamos amigos por fazermos aula na mesma escola de francês. Michelle nos conta sua história com um brilho nos olhos. Diz ter orgulho de ser brasileira. Ama o Brasil. É encantada por literatura brasileira. Descobriu recentemente Jorge Amado e se apaixonou por ele.

Mesmo sem saber uma palavra em português, quando estávamos conversando em nossa língua materna e ela chegava, pedia que continuássemos falando em português. “Pas de problème. J’aime bien écouter le portugais du Brèsil”.

Em uma noite fria, após sairmos de uma festa e não ter mais o metrô funcionando, pegamos um ônibus para voltar para casa. No caminho ela afirma com os olhos marejados: Não entendo o motivo de ter sido deixada na maternidade. Digo a ela que as coisas na década de 1990 eram muito complicadas no Brasil e que havia muitas pessoas sem condições de criar um filho. Ela olha com certa desconfiança. Não acredita no que acabo de dizer. “C’est vrai”, reafirmo.

Pergunto a ela se gostaria de conhecer sua mãe biológica, ela responde sem titubear “Oui, bien sûr”, literalmente, sim com certeza e continua: “minha mãe acha desnecessário este contato, acha que eu não preciso disso. Acho que é ciúmes.”

O ônibus para no ponto, ela pede desculpas por nos chatear com aquele assunto. Nos despedimos. Michelle entra na primeira rua à direita, nós, na primeira à esquerda.

Quando?

 

Quando começamos a terminar?

Quando é o começo?

Quando é o fim?

Quando? Quando é o começo do fim?

 

Quando tomaremos uma decisão?

Quando saberemos que foi correta?

Quando aceitaremos que foi correta?

Quando? Quando decididos, decidiremos?

 

Quando enxergamos que fortes, somos frágeis?

Quando damos conta que nossos amores, envelhecem?

Quando entendemos que a presença, é o melhor presente?

Quando? Quando a fragilidade é reflexo da força?

 

Quando entendemos que conhecendo mais, sabemos menos?

Quando o não, é incentivo?

Quando o sim, é conveniente?

Quando? Quando nosso incentivo é conveniente?

 

Quando falar sobre guerra?

Quando falar sobre paz?

Quando falar sobre amor?

O quando… não se acaba jamais.